domingo, 29 de março de 2015

A realidade ambígua de Roger Ballen - realidade ou patologia?

Saí de casa preparada para conhecer o trabalho de um artista do qual eu nunca tinha ouvido falar. Melhor ainda. O impacto da surpresa é ainda maior. Mas à medida que fui avançando pelas salas do Museu de Arte Contemporânea da Universidade de São Paulo, o MAC Ibirapuera, fui ficando com medo. O processo criativo do americano Roger Ballen é algo realmente mórbido. E fascinante.

Roger Ballen, Transfigurações, Fotografias, 1968, 2012, é a primeira mostra de trabalhos do profissional na América Latina. E o tom é de retrospectiva. Ele começa fotografando a "rua". Instantâneos de pessoas aos poucos vão dando espaço para uma sensacional série chamada Platteland. Depois de se mudar para a África do Sul na década de 70, em plena vigência do apartheid, ele vai atrás de brancos sujos, marginalizados e pobres para mostrar que a cor da pele não significa que alguém é rico ou pobre.

A partir dali, Ballen busca, incessantemente, misturar Jung com negativos e nos apresenta uma série de fotografias feitas dentro de uma fábrica abandonada, com pessoas marginalizadas, vivendo sonhos obscuros, ora posando, ora sendo elas mesmas ao lado de animais, fios, sofás rasgados, paredes descascadas. Não dá para saber se aquelas pessoas são reais ou são personagens: o importante é mentalizar a imagem que o artista nos apresenta.

Sempre em branco e preto, as imagens chocam. A condição humana em seu pior estágio. Ao final das salas, mais loucuras construídas na cabeça do artista, com pessoas perturbadas, animais mortos, pássaros, cobras, bonecas degoladas. Tudo arrumadinho na frente da câmera de Ballen. Eu adorei, mas confesso que deixei o museu correndo, com todas aquelas imagens dançando na minha frente. Cheguei em casa e entrei no www.rogerballen.com para pirar mais um pouquinho (a maioria das fotos está lá). A exposição fica em cartaz até 27 de setembro de 2015.  


Arames rodopiando (2001), da série Shadow Chamber

Almoço (2001), da série Shadow Chamber

Eulogia (2004), da série Boarding House

Fragmentos (2005), da série Boarding House

Cabeça dentro da camiseta (2001), da série Shadow Chamber



Carniceiro (2004), da série Boarding House

Engaiolado (2011), da série Asylum of the Birds

Possuídos (2009), da série Asylum of the Birds

terça-feira, 24 de março de 2015

O subsolo geográfico e mental de Cacá Carvalho

Cacá Carvalho em cena: arte bruta lapidada por interpretação impecável e direção de Roberto Bacci

Cinco coisas que eu aprendi com Cacá Carvalho

1. Estar em cena, sozinho, é um exercício de muita disciplina, tanto para quem se apresenta, quanto para quem assiste. As trocas de figurino ajudam a dinamizar o espetáculo, mas é como se o ator estivesse nu, servido apenas pelo seu corpo e pela sua voz. Cacá Carvalho gosta do desafio. Ele é tão absoluto que, sinceramente, acredito que ele não precisa de mais ninguém. Em 1h20 de espetáculo, ninguém checou o celular.  

2. A peça 2 x 2 = 5 - O Homem do Subsolo tem um texto difícil. Mas o que seria de nós se tudo fosse fácil? Quero mais é ficar sem entender, me confrontar, me forçar a pensar. Cacá faz isso, lindamente. Ainda estou tentando responder a algumas perguntas que me fiz durante a peça. 

3. Em um mundo bombardeado por informações por todos os lados, não deixa de ser curioso ver um homem que se debate contra a existência humana dentro de um lugar fechado, que ora parece uma prisão, ora, um covil. Afinal, quem está confinado? Ele ou nós? O subsolo geográfico também pode ser espiritual e mental.

4. Digno em seu ofício, Cacá quer "contaminar gente e alterar pessoas". Existe algo mais gratificante para um artista do que impactar seu público?


5. Ao exacerbar a condição do personagem, que sofre do fígado, Cacá nos apresenta outro questionamento. Estamos tão preocupados com nossa aparência, nossas roupas, nosso corte de cabelo, que nos esquecemos do que realmente precisamos saber para viver em paz e sermos "veramente" felizes.
   


Há mais de duas décadas, Cacá Carvalho estreava seu primeiro Pirandello: O Homem com a Flor na Boca. Depois vieram A Poltrona Escura e umnenhumcemmil. Agora surge com Dostoiéviski em 2 x 2 = 5 O Homem do Subsolo para colocar em cena todo o universo subterrâneo de um homem que abandona o convívio social 

 A equipe com a qual Cacá Carvalho trabalha se mantém a mesma há 27 anos: na direção Roberto Bacci, no cenário e figurino Márcio Medina, na dramaturgia Stefano Geracci e na luz Fábio Retti

Il Cielo per Terra foi o primeiro espetáculo em que o paraense Cacá Carvalho atuou, dirigido por Roberto Bacci. Sucessivamente, Cacá Carvalho tornou-se também colaborador, pedagogo e assistente de direção do Centro per la Sperimentazione e la Ricerca Teatrale, hoje Fondazione Pontedera Teatro.

Em 2004, Carvalho e Bacci fundaram a Casa Laboratório para as Artes do Teatro, fruto da parceria com o Teatro della Toscana. Tem em seu histórico os espetáculos A Sombra de Quixote, O Homem Provisório, Os Figurantes, todos com direção de Cacá Carvalho, com atores formados no curso de 10 anos neste espaço de formação e pesquisa teatral.


2 x 2 = 5 O Homem do Subsolo

Ficha Técnica
Direção: Roberto Bacci
Dramaturgia: Stefano Geracci
Elenco: Cacá Carvalho
Cenário e figurino: Márcio Medina
Desenho de luz: Fábio Retti
Musica Original: Ares Tavolazzi
Tradução para o português: Anna Mantovanni
Produção: Teatro della Toscana, Teatro Era Csrt e Casa Laboratório para as Artes do Teatro

Serviço
De 14 de março a 25 de abril de 2015
Quintas e sextas às 21h; Sábados às 20h
SESC Santo Amaro – Teatro
Rua Amador Bueno, 505, Santo Amaro – São Paulo
Telefone: (11)5541-4000
Duração: 80 min/ Recomendação: 14 anos/ Lotação: 279 lugares
Ingressos: R$ 20,00 (inteira/ público em geral), R$ 10,00 (aposentado, pessoa com mais de 60 anos, pessoa com deficiência, estudante e servidor da escola pública com comprovante) e R$ 6,00 (trabalhador do comércio de bens e serviços e turismo credenciado no Sesc e dependentes).



quinta-feira, 19 de março de 2015

Fernando Zarif - a obra de um artista nunca morre

Tao, carvão e papel sobre tela, de 1994


A capa de Titanomaquia, obra de Fernando Zarif para disco dos Titãs (não estará na mostra, mas confirma o quão versátil foi Zarif)

Fernando Zarif (1960-2010) foi daqueles caras compulsivos que criou muitas obras, fez música, tinha programa de rádio, frequentava as colunas sociais  e vivia de sua arte. Graças a uma família dedicadíssima, após sua morte, toda a sua obra foi revista e catalogada. O artista deixou uma acervo de mais de 2.000 obras. 

Para celebrar esse espólio tão rico, o Instituto Figueiredo Ferraz inaugura no dia 21 de março, sábado, às 16h, a mostra individual "Fernando Zarif" exibindo 116 obras, entre desenhos de grande formato sobre papel e sobre tela, esculturas e instalações. 

Este conjunto de obras apresenta para o público, de forma didática, a trajetória do artista paulistano. Os desenhos são apresentados em duas paredes, perfilando quase três décadas de trabalho, desde sua produção juvenil até suas últimas telas, quando aplicava as tintas das bisnagas diretamente sobre o suporte. Estão aí presentes seus seres imaginários, assim como obras produzidas com materiais incomuns, colagens de objetos como papéis, cadeados, entre outros. São apresentadas também esculturas como A Chave, de 1998, e a impressionante Calvário, de 1990. Além de uma série produzida com fios de cobre.

A mostra tem o mérito de trazer a público algumas obras inéditas do artista, descobertas pelo Projeto Fernando Zarif que catalogou a totalidade da produção do artista a partir de uma minuciosa pesquisa. Dentre elas, estão obras produzidas a partir de materiais como cartas de baralho e adesivos de banca de jornal, cabelos, assim como obras produzidas a partir de instrumentos musicais. 

Esta é a primeira vez que o Instituto produz uma mostra individual de um artista que não faz parte de sua coleção. Conta com o apoio do Projeto Fernando Zarif e das galerias Millan, Jaqueline Martins e Luciana Brito. 

O artista também foi um dos responsáveis por trazer identidade visual ao álbum dos Titãs Titanomaquia, lançado em 1993, criando a capa de um dos discos que marcaram a trajetória da banda.



SERVIÇO:

Exposição: “Fernando Zarif“
Abertura: 21 de março de 2015, sábado, das 16h às 19h 
Período Expositivo: 23 de março a 25 de abril de 2015

Instituto Figueiredo Ferraz
Rua Maestro Inácio Stábille, 200 - Alto da Boa Vista 
Ribeirão Preto - SP – Brasil - CEP: 14025-640 
Tel.: (16) 3623-2261
Horários de Funcionamento: de 3a a sábado das 14 às 18h

Entrada franca


Calvário, obra de madeira de 1990

Sem título, acrílica e lápis de cor

Acrílica, metal e plástico

Areia e cola sobre tela

Cadeado e chaves
Fernando Zarif

segunda-feira, 16 de março de 2015

Sessentinha - a cadeira Series 7

Criada em 1955 por Arne Jacobsen (1902-1971), a cadeira Series 7 (Série 7) é uma das mais copiadas do mundo. Uma evolução da cadeira Ant (Formiga), também projetada pelo designer dinamarquês, foi pioneira ao usar a técnica do laminado, ou seja, a madeira que se curva. Ao completar 60 anos, nos faz lembrar que o design, acima de tudo, deve ser funcional, belo e original. No vídeo no final do post, uma demonstração de como descobrir se uma cadeira é original ou falsa. Um teste para profissionais.

A cadeira Series 7, criada por Arne Jacobsen, é vendida há seis décadas em cores e madeiras diferentes


terça-feira, 10 de março de 2015

Um clássico paulistano: os móveis que Paulo Mendes da Rocha criou


Sou da seguinte opinião: quando o design de uma cadeira é bom, ele pode se transformar em dois. Ou vários. Foi assim com a série criada pelo casal Charles e Ray Eames. Um casco de fibra de vidro ganhou muitas bases (metal, madeira) e se transformou em um clássico.

Atrevo a dizer que o mesmo já aconteceu com a cadeira Paulistano, criada pelo arquiteto Paulo Mendes da Rocha, em 1957. Originalmente, a poltrona fazia parte do mobiliário do Clube Atlético Paulistano, obra que ele também projetou. 

As linhas simples conquistaram os amantes do bom design e a Paulistano passou a ser fabricada pela Objekto, que edita, produz e distribui a peça. Em 2009, ela passou a fazer parte do acervo do MoMA, um dos museus mais importantes do mundo. No Brasil, ela é vendidas nas lojas Futon Company

Uma estrutura de metal contínua e uma capa de tecido é a cadeira Paulistano, e agora em versão Office, com rodinhas. Um luxo nacional.   



Paulo Mendes da Rocha e a Paulistano Office: à venda na Futon Company

A Paulistano em sua versão original. A cadeira faz parte do acervo do MoMA 

 A Paulistano Office para os amantes do design puro de linhas simples 

Paulo Mendes da Rocha criou a cadeira em 1957